Há 30 anos desembarquei na cidade do Rio de Janeiro cheia de sonhos e esperanças. Parece chavão barato, mas não é. Meus sonhos iam de encontro ao novo curso que iniciava no Seminário Teológico, e minhas esperanças concentravam-se no fato de que aquele lugar marcaria definitivamente o início de uma vida dedicada a Deus e ao ministério. O fato de estar na cidade maravilhosa não importava muito. Naquela época eu olhava para o Rio como cenário do começo de uma nova história. Na realidade eu buscava meus pares, pessoas motivadas pelo amor a Cristo e dispostas a entregar a vida, se possível fosse por sua causa e obra.
Não demorou muito para que percebesse que aquele lugar tão privilegiado pela natureza não era exatamente a ante sala do céu e muito menos que todos naquele lugar buscavam o mesmo que eu.
Foi um tempo precioso! Hoje, passados os anos percebo que foi um treinamento exaustivo para que entendesse que pessoas são iguais, salvo características individuais. Não passamos de carentes de amor e buscamos desesperadamente salvação.
Foi no seminário que tive minhas primeiras decepções com as instituições eclesiásticas. Foi ali que percebi os maiores jogos de interesses entre pessoas que acreditava seriam os representantes legítimos do mestre aqui na terra. Quanta ilusão! Quanta falta de maturidade! Mas também quantas oportunidades!
Pela primeira vez percebi que o mal gosta de dar uma de bonzinho...malandro, sorrateiro, fingindo ser de bem com a vida.
Nunca vi tanta beleza natural junta num mesmo lugar. No Rio a gente pode ir de um bairro para o outro e no caminho passar por uma cachoeira e se refrescar, as praias são lindas, muito mais bonitas de perto. São as praias das novelas, dos filmes! Mas também creio que em nenhum outro lugar a ação egoísta do homem tenha causado tanta degradação.
Sempre me choca, quando volto, a imagem de suas matas sendo devastadas pela ação do homem que sobe os morros, destruindo a paisagem. Definitivamente não somos bons paisagistas, salvo alguns poucos.
Mas foi nesse lugar incrível que eu conheci pessoas incríveis. Elas tem a capacidade de se acomodar e amoldar à vida com bom humor e solidariedade.
Tínhamos uma praxe no seminário. Precisávamos nos achegar a uma igreja, dela fazer parte e prestar serviços aquela comunidade. Por um tempo fiz parte de uma, na baixada fluminense em São João do Meriti.
Aos domingos pela manhã percorria um longo trajeto, mas era recebida com tanto carinho e no meio da precariedade do lugar, das casas, recebiam-me com alegria e repartiam o pão. Quer algo mais primitivo como igreja?
Já estive em muitas congregações, mas nenhuma canta como aquela! Não falo de escolha de repertório nem de técnica vocal. Falo da alegria daquele povo!
O Rio foi perdendo a beleza natural, a alegria, as pessoas foram se enchendo de medos e no meio do caos os aproveitadores foram se instalando sorrateiros.
Nos morros os chefes do tráfego de entorpecentes dão o tom do dia. Em algumas igrejas e instituições os chefes religiosos se instalam, poderosos e dão o tom do discurso.
O Rio perde em todos os sentidos por conta dos aproveitadores, sejam eles civis, militares, religiosos e tantos outros que percebem que onde há caos instalado há oportunidade de poder.
Mas ainda há a beleza do Rio, que ninguém pode tirar. A beleza do remanescente! O trafego não tem poder sobre ele porque o máximo que podem fazer é tirar-lhe a vida, mas essa vida terrena e finita, não podem tocar na eternidade garantida que o remanescente tem junto ao Pai.
Os governantes podem tirar a esperança de dias melhores, mas o remanescente olha para o futuro e ri, porque ele sabe que ainda que não haja fruto na vide, nem no curral haja gado pode exultar naquele que diz que tem todo o controle da situação, inclusive nenhum fio de cabelo cai de sua cabeça sem sua permissão.
Dos maus líderes religiosos que tentam enganar o rebanho trazendo confusão e desconfiança o remanescente é salvo pelo poder da palavra que é a verdade e firmado nela prossegue perseverante.
Essa é a maior beleza e riqueza do Rio! O remanescente!
Aquele que todas as manhãs se levanta seja num morro ou num lindo apartamento da Barra, mas seu primeiro pensamento é de gratidão pela vida que tem naquele que é o autor da vida.
Aquele que floresce onde o Senhor o plantou e por estar ligado diretamente a vide dá frutos bons e por isso faz com que os que estejam a sua volta se arrependam de seus maus caminhos.
Aquele que todos os dias ensina seus meninos, sejam eles filhos ou alunos, a andarem no caminho em que devem andar para que quando cresçam não sejam chefes do tráfego, mas de famílias.
Aquele que todos os dias pelo labor de suas mãos faz o mundo melhor usando palavras de vida e agindo em favor da vida.
À esses homens e mulheres dos quais eu nem sei o nome ou algum detalhe de suas vidas, minha admiração, meu respeito, minha oração e reverência!
Que eles se achem fiéis até o dia em que todo o choro será enxugado da terra!
ORO PELO RIO!